Por decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça (21), o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) passará à condição de réu, perante a Corte, pela suposta prática dos delitos de incitação ao crime de estupro e injúria. A maioria dos ministros recebeu denúncia (Inquérito 3932) oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) e queixa-crime (Petição 5243) apresentada pela deputada federal Maria do Rosário (PT-RS). Com o acolhimento da denúncia, o inquérito – referente à incitação ao crime de estupro – e a queixa-crime – quanto ao crime de injúria – serão convertidos em ação penal.
Conforme os processos, os crimes teriam sido cometidos pelo deputado em dezembro de 2014 durante discurso no Plenário da Câmara dos Deputados, quando teria dito que a deputada “não merecia ser estuprada”. Também consta dos autos que, no dia seguinte, em entrevista ao jornal Zero Hora, Bolsonaro teria reafirmado as declarações, dizendo que Maria do Rosário “é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria”.
O relator, ministro Luiz Fux, entendeu que as declarações do deputado Bolsonaro não têm relação com o exercício do mandato. “O conteúdo não guarda qualquer relação com a função de deputado, portanto não incide a imunidade prevista na Constituição Federal”, disse. Ele acrescentou que, apesar de o Supremo ter entendimento sobre a impossibilidade de responsabilização do parlamentar quanto às palavras proferidas na Câmara dos Deputados, as declarações foram veiculadas também em veículo de imprensa, não incidindo, assim, a imunidade. Observou, ainda, que não importa o fato de o parlamentar estar no gabinete durante a entrevista, uma vez que as declarações se tornaram públicas.
Segundo o relator, para que possam ser relacionadas ao exercício do mandato, as afirmações devem revelar “teor minimamente político”, referindo-se a fatos que estejam sob o debate público e sob investigação do Congresso Nacional ou da Justiça, ou ainda sobre qualquer tema relacionado a setores da sociedade, do eleitorado, organizações ou grupos representados no Parlamento ou com a pretensão à representação democrática.
O ministro também salientou que o deputado disse, implicitamente, que deve haver merecimento para ser vítima de estupro, uma vez que o emprego do vocábulo “merece” conferiu o atributo de “prêmio” à mulher que merece ser estuprada por suas aptidões e qualidades físicas. “As palavras do parlamentar podem ser interpretadas com o sentido de que uma mulher não merece ser estuprada quando é feia ou não faz o gênero do estuprador”, afirmou. “Nesse sentido, dá a entender que o homem estaria em posição de avaliar qual mulher poderia e mereceria ser estuprada”, disse, ressaltando que tal declaração menospreza a dignidade da mulher.
Para o ministro, “ao menos em tese, a manifestação teve o potencial de incitar outros homens a expor as mulheres à fragilidade, à violência física e psicológica, à ridicularização, inclusive à prática de crimes contra a honra da vítima e das mulheres em geral”, afirmou. “Um parlamentar não pode desconhecer os tipos penais de lei, oriunda da Casa Legislativa onde ele próprio exerce seu múnus público”.
Segundo Fux, “não se pode subestimar os efeitos dos discursos que reproduzem um rebaixamento da dignidade da mulher e que podem gerar perigosas consequências sobre a forma como muitos irão considerar essa hedionda prática criminosa, que é o crime de estupro, podendo efetivamente encorajar a sua prática”.
Queixa-crime
Quanto à queixa-crime, o relator considerou que o crime de injúria se refere às mesmas declarações analisadas na denúncia, que teriam atingido a honra subjetiva da deputada e, portando, caracterizariam a configuração do delito. “As declarações revelam efetivamente potencial de rebaixar a dignidade moral da querelante, ofendendo-a em sua condição de mulher, expondo sua imagem à humilhação pública, além de associar as características da mulher à possibilidade de ser vítima de estupro”, observou.
Porém, o ministro Luiz Fux não recebeu a queixa-crime na parte relativa ao crime de calúnia, que entendeu não caracterizado. “Nesse ponto, entendo que a queixa padece de maiores elementos de convicção”, concluiu.
Acompanharam o voto do relator os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso. Ficou vencido o ministro Marco Aurélio, que não recebeu a denúncia nem a queixa-crime. Ele considerou que as declarações foram proferidas no Plenário da Câmara dos Deputados, com repercussão posterior junto à imprensa, e acrescentou que o deputado se defendeu de afirmações ditas pela deputada.
EC/CR
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