A busca de soluções para o impasse entre União e governos estaduais sobre a repactuação de dívidas públicas foi tema de audiência convocada pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), na manhã desta terça-feira (19), na sala de sessões da Primeira Turma. Fachin é relator de três mandados de segurança de estados que questionam a forma de indexação dessas dívidas. Esses processos estão na pauta do Plenário do STF do próximo dia 27.
Participaram da audiência o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, os governadores de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Alagoas, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, São Paulo e o representante do governo do Rio de Janeiro, além de autoridades do Tesouro Nacional, da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria Geral da República.
Está previsto para ser julgado na semana que vem o mérito dos Mandados de Segurança (MS) 34023, 34110 e 34122, impetrados, respectivamente, pelos Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. No último dia 7 de abril, o Plenário do STF concedeu liminar ao Estado de Santa Catarina permitindo o pagamento da dívida renegociada de forma linear, com juros simples, e não de forma capitalizada, com a incidência de juros compostos.
A decisão levou vários outros estados e municípios a impetrar mandados de segurança no STF solicitando as mesmas condições para a repactuação de suas dívidas e despertou a preocupação da União com os prejuízos financeiros decorrentes do entendimento da Corte.
O que está em discussão no STF é saber se é válida a incidência capitalizada da Selic (juros sobre juros), prevista pelo Decreto 8.816/2015, que regulamentou a Lei Complementar (LC) 148/2014, a qual estabeleceu condições para a repactuação da dívida da União com os estados. Os governos estaduais questionam essa forma de cálculo e também a previsão de penalidades impostas a eles pela União em caso de atraso no pagamento das parcelas.
Na avaliação do ministro Edson Fachin, a solução dos problemas exige muito diálogo e cooperação entre os entes federados. Ele destacou que as intervenções dos governadores foram oportunas e “sinalizam que a questão jurídica desses mandados de segurança se referem ao financiamento dos serviços públicos”. O relator também considerou relevantes as contribuições dos representantes da União, com “uma convergência substancial sobre o diagnóstico do problema”, para o que chamou de legítima decisão prevista para o próximo dia 27.
O ministro considerou muito proveitosa a reunião para o esclarecimento de questões como impactos de um perdão da dívida, como seria a distribuição de valores, os impactos no caixa da União e de que forma a demora na regulamentação da LC 148/2014 teria contribuído para a deterioração fiscal dos estados.
União
O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, afirmou que não interessa a ninguém a polarização entre estados e União na questão das dívidas. Segundo ele, as ações ajuizadas no Supremo Tribunal Federal (STF) contrapõem contribuintes estaduais a contribuintes federais que, na prática, são o mesmo grupo de pessoas. O ministro ressaltou saber da urgência da situação fiscal federal e estadual do país, mas que a única forma é encontrar uma solução que ajude a todos conjuntamente.
Afirmou que o aumento da dívida em decorrência das taxas de juros reais elevadas afeta também a União. Observou que, aplicado o entendimento de que devem ser pagos juros simples em vez de compostos, os estados terão superávit menor obrigando a União a fazer compensação de receitas e dificultando o pagamento de despesas obrigatórias. “Uma decisão judicial pode levar a União a descumprir a meta fiscal e ser responsabilizada por isso, aumentando ainda mais a incerteza atual no Brasil”, afirmou.
Barbosa considera que a tese é desequilibrada, porque no final das contas “o que está se pretendendo é um perdão por parte da União” e acrescentou que apenas seis estados ganhariam com isso, AL, MS, MG, RJ, RS, SP e que todos os demais pagam mais como contribuintes federais do que como contribuintes estaduais.
Já na avaliação do procurador-geral da Fazenda Nacional, Fabrício da Soller, não há como se prever um perdão da dívida da ordem de R$ 313 bilhões de reais, nem que o valor seria compensado com aumento de carga tributária, como exigem essas leis. “Em nenhum momento se previu um perdão dessa natureza”, afirmou.
Também participaram da audiência a secretária-geral de Contencioso da Advocacia Geral da União, Grace Maria Fernandes Mendonça, que defendeu a constitucionalidade do decreto, reforçando os argumentos da equipe econômica, e o subprocurador-geral da República, Odim Brandão.
Veja alguns dos argumentos apresentados pelos governadores:
Estado de Santa Catarina
O governador Raimundo Colombo disse aos participantes da audiência que o processo das dívidas dos estados começou em 1989, mas que depois isso se desvirtuou e passou a ser um encargo. Segundo Colombo, a dívida inicial era de R$ 4 bilhões, foram pagos R$ 13 bi e ainda resta um saldo devedor de R$ 9 bi e que a fórmula de correção proposta no decreto pela taxa Selic acumulada leva ao aumento da dívida e ao colapso social nos estados. “O Rio de Janeiro é o retrato, hoje, do que serão todos os estados”, alertou o governador catarinense.
Rio Grande do Sul
Ao expor a situação de seu estado, o governador José Ivo Sartori disse que a dívida inicial gaúcha era de R$ 9 bilhões e que, na repactuação, já foram pagos em torno de R$25 bilhões, com um saldo devedor na ordem de R$ 52 bi. Segundo Sartori, “a União não conseguirá resolver seus problemas financeiros às custas da falência dos estados.” Afirmou que adotou um duro ajuste fiscal nas contas do governo, mas que outros fatores impedem o equilíbrio das finanças, como a não regulamentação da Lei Kandir (LC 87/1996), que impede a compensação aos cofres gaúchos de R$ 3,5 bilhões por ano sobre a produção de soja.
Minas Gerais
O governador Fernando Pimentel defendeu que a LC 148/2014 é clara em seu artigo 3º ao permitir que a União conceda descontos aos estados e que o decreto deturpou o objetivo inicial da lei. “Os números são escandalosos”, disse, ao citar dados do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a dívida somada de todos os estados, que era de R$ 93 bilhões, acrescentando que foram pagos até final 2014 cerca de R$ 300 bi e que ainda resta um saldo devedor de R$ 553 bilhões. Pimentel disse que, antes, estados e municípios ficavam com dois terços da arrecadação tributária e a União com um terço e que de 2014 para cá houve uma inversão na lógica tributária, levando a uma “concentração enorme de recursos nas mãos da União e uma concentração de encargos nas mãos dos estados e municípios”.
Mato Grosso do Sul
O governador Reinaldo Azambuja disse que, em 1998, a dívida no estado era de R$ 1,3 bilhão e que, atualmente, o saldo está em torno de R$ 6 bi. “Essa é a conta da agiotagem oficial que os estados tiveram que pagar durante esse período”, enfatizou. Segundo Azambuja, entre 1988 e 2014 foram criadas contribuições que vão somente para a União e não são compartilhadas com os estados, mas as grandes responsabilidades foram divididas com os estados na educação, na municipalização da saúde, na segurança. Ele acrescentou que os governos querem apenas o cumprimento da LC 148/2014. “É impensável que hoje o sonegador ou devedor inadimplente da União tem a Selic simples para indexar seus débitos e os entes federados que fizeram seu papel não têm”, reclamou.
Alagoas
O governador Renan Filho disse que “as dívidas dos estados foram amplamente pagas”, que tem-se tentado há anos uma saída para o endividamento e que a LC 148/2014 veio para ajudar os estados, mas que ela está sendo ameaçada pelo Decreto 8.816/2015, “que fez aumentar o estoque da dívida em vez de diminuir”. Renan Filho reclamou da falta de autonomia dos estados para fazer mudanças fiscais, o que leva à precariedade extrema em serviços e disse que, Alagoas, diferentemente de outros estados, ainda consegue ter um pequeno desconto, mesmo com a nova regra da incidência composta dos juros.
Rio de Janeiro
O secretário da Casa Civil do governo do Rio de Janeiro, Leonardo Espíndola, afirmou que, desde a edição do decreto, houve uma elevação da dívida estadual em R$ 5 bilhões, no que chamou de “flagrante desrespeito à legalidade”. Disse que o Estado do Rio, bem como o de Santa Catarina e Minas Gerais, também obteve liminar em mandado de segurança (MS 34137) para que não fossem impostas as sanções tratadas no decreto. Ele acrescentou que a dívida, orginalmente, era de R$ 13 bilhões. Atualmente foram pagos R$ 44 bi, mas o Estado ainda deve R$ 52 bi. O secretário disse que o Rio de Janeiro é um dos que mais sofrem com a crise fiscal, pois 33% de seu PIB vêm da indústria de petróleo, que sente os reflexos da queda do preço do produto no mercado internacional e até mesmo no pagamento de aposentados e pensionistas estaduais.
São Paulo
O governador Geraldo Alckmin disse que a situação de seu estado não difere muito da vivenciada por outros entes federados. Afirmou que mesmo depois de ter renegociado a dívida estadual, ter pago mais de R$ 130 bilhões, inclusive dando como parte para o pagamento empresas públicas como a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) e entregue o Banco do Estado de São Paulo (Banespa), o saldo devedor do estado está em R$ 224 bi. Alckmin disse que estão sendo feitos ajustes e cortes em despesas e que até o funcionalismo público não recebe, há três anos, a recomposição de perdas inflacionárias. Acrescentou que, se o estado atrasa o pagamento da dívida, o sequestro de verbas é imediato. Ele questionou o porquê de a recíproca não ser a mesma quando é a União que deve aos estados e citou como exemplos a construção das usinas de Jupiá e Ilha Solteira, erguidas com verbas do estado, e a Previdência Social. “O INSS deve bilhões para os estados, mas simplesmente não paga e não tem sequestro e nem compensação”, observou.
AR/RR
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